O que um corte de cabelo tem a ver com desapego, prisões, padrões, luta e liberdade?

Rafaella Mattar
4 min readJun 25, 2021

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Photo by Markus Winkler on Unsplash

Semana passada cortei meu cabelo bem curto. Tá, e daí? Qual o significado profundo disso? Ao falar de desapego, quero dizer beeeem mais que desapegar de alguns centímetros de cabelo. Vamos retroceder alguns bons anos…

Sabe quando te pedem pra recordar de quando você era criança, jovem, e brincava feliz sem preocupações, dava muita risada, explorava sua criatividade sem medo do julgamento, era feliz sem motivo aparente para ser ou não ser? Claro que tenho algumas memórias assim guardadas em alguma gavetinha trancada e esquecida da minha mente, mas pra falar a verdade minha lembrança mais forte que se inicia na pré adolescência é bem diferente disso. Aos sei lá, 11 (?) anos eu comecei a tomar remédios para depressão. Quem já tomou/toma sabe, a busca pelo remédio perfeito é cansativa, para não falar exaustiva. A gente acaba optando pelo “menos pior”, em questão de efeitos colaterais. O remédio X é muito bom, zero efeitos, mas não adiantou; já com o Y, apresentei uma melhora significativa, porém passava muito mal, enjoos constantes, dores de cabeça, enfim, o corpo não se adaptou. Depois de anos e anos consultado com diversos médicos, experimentando e testando inúmeros medicamentos, entre idas e vindas, tentativas e desistência, esperança e desespero, choros e risadas, lágrimas e sufoco, me dei vencida pelo cansaço. “Me dei” não, porque essa não era uma decisão minha. Acho que todos estavam cansados já. Desesperançosos. Exauridos. Esgotados após longos anos escalando uma grande montanha, e ainda assim não ter chego no topo. Sem a recompensa da vista maravilhosa do destino final. Então achamos um lugarzinho propício para acampar e por ali ficamos. “Propício” simboliza que os efeitos da depressão foram minimizados. Porém o que é útil nem sempre é perfeito, né? Então ganhei de brinde nesse bingo de substâncias químicas, ela: a queda de cabelo. Afinal, o que é uma queda de cabelo perto de tantos desconfortos que essa química pesada me proporcionou ao longo de tantos anos, certo? Errado.

O que eu não previa era que isso afetaria diretamente em muito mais coisa. Na depressão em si inclusive — spoiler: influencia diretamente na minha melhora, meu despertar. Há 5 anos, já com pouquinho cabelo, coloquei mega hair para voltar a me achar bonita e quem sabe recuperar minha auto estima (ache o erro). Nessa mesma época comecei a imergir no mundo do autoconhecimento. Me conhecer. Me aprofundar em mim mesma. Conheci o Yoga. Elevei minha espiritualidade à outro nível. Me agarrei à ela. Me agarrei à mim.

Desde então eu tenho questionado muita coisa. Por que as coisas são como são? Quem disse? Eu concordo com isso? E assim fui me transformando, me lapidando, com aquilo que EU acredito, que faz sentido pra MIM, mesmo que isso não seja a opinião comum.

O mega hair começou a me incomodar. Que prisão. Que desconforto. — veja bem, não tem problema nenhum usar mega hair, o problema é que para mim, eu dependia daquilo para me sentir bonita. Coloquei meu valor, minha beleza, em algo externo. Isso sim é errado. Eu achava que sem aquele aplique eu não seria bonita. Mas calma, de onde veio isso? No que EU acredito? Eu acredito que a beleza vem de dentro. Eu valorizo pessoas bonitas por dentro. Pelo que elas fazem, pelo bem que elas fazem aos outros, pelo brilho que elas espalham ao seu redor. Isso é beleza pra mim. Então entrei em conflito. Já sabia que queria me libertar daquela prisão, mas o receio e o medo eram maiores. Que coisa, né? O tanto que os padrões de beleza que a sociedade impõe em nós (principalmente nós, mulheres) nos sacrifica em prol de algo que, no fundinho do nosso coração, nem acreditamos.

E são muitas prisões impostas à nós o tempo todo: você tem que entrar na faculdade com 18 anos, se formar com 22, arrumar um emprego com carteira assinada, namorar, casar, ter filhos, família, casa; você tem que acreditar nisso nisso e naquilo, tem que comer tais coisas… Espera-se que vivamos em caixinhas prontas até em relação à como devemos nos sentir. O que é felicidade? O que é sucesso? — você já se perguntou isso? Não quero saber o conceito comum, quero saber o SEU, mesmo que seja diferente de qualquer outro conceito que você já ouviu sobre ser feliz e bem sucedido. O João pode se sentir realizado com a estabilidade de um emprego fixo e uma casa própria; já o Mário se sente a pessoa mais feliz do mundo por viver em um motorhome e estar cada dia em um lugar. Se cada pessoa é única, porque devemos agir e nos sentir igual à todo mundo?

É difícil o desapego. O desapego da opinião alheia, das expectativas. O conflito se passa dentro de nós. Perdemos incalculáveis batalhas, para quem sabe vencer a luta final.

Pois bem. Cortei. Cortei da minha vida tudo aquilo que não faz parte de mim. Cortei tudo que me disseram que é certo, mas que eu não acredito. Cortei fora a necessidade de me encaixar. E então abracei a Rafaella. A verdadeira Rafaella. Lapidada, para ser exatamente quem ela é: com suas crenças, suas vontades e desejos, seus gostos, suas verdades. A Rafaella que dá risada e expressa sua liberdade sem medo do julgamento alheio, e é feliz com ou sem motivos aparentes para ser. Talvez agora, mais que nunca, eu esteja criando memórias daquela Rafaella jovem.

Indescritível a sensação de liberdade. Te convido a sentir.

Quais são as suas prisões?

Será que a chave para se libertar não se encontra aí dentro de você? :)

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Rafaella Mattar
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Written by Rafaella Mattar

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